Um dos mais
belos ensinamentos do novo testamento está registrado em 1º Coríntios 13. Mas este ensinamento tão repetido entre todos os cristãos apresenta uma divergência crucial na tradução, pois em algumas versões vemos a assunto central em torno do termos "Amor" ou "Caridade" e
para uma melhor compreensão do ensinamento e da tradução precisamos de alguma
profundidade, até mesmo para entendermos as implicações de uma e outra versão. Será que faz grande diferença? Vamos estudar.
Estudamos
algumas traduções bíblicas vemos diferenças marcantes na palavra essencial do
texto. A palavra principal hora é traduzida por Amor e hora é
traduzida por Caridade. Tentamos entender o motivo da divergência
esbarramos num problema muito comum enfrentado pelos tradutores de todos os
tempos, mas sobre tudo quando se trata de traduzir textos muitos antigos para a
linguagem de hoje.
Como exemplo
pense que daqui há mil anos uma carta que você escreveu para um amigo fosse
encontrada e um tradutor no futuro tentasse traduzi-la para o seu idioma.
Imagine nesta carta você, tentando explicar que enfrentou uma situação de muito
constrangimento, escrevesse: "- Eu tive que engolir um
sapo tremendo e o pior: em silêncio". Para nós hoje é muito
simples entender o que você pretendeu dizer, mas pense na dificuldade para o
tradutor, depois de traduzir cada palavra, tentando entender se a tradução
estava correta, se perguntasse coisas como: - O sapo era pequeno o
suficiente para que este homem conseguisse comê-lo? Será que o sapo estava vivo
para tremer, ou era o homem que tremia? Quem estava em silêncio, o sapo
ou o homem?
Com este
pequeno exemplo fica bem fácil entender o grande desafio que é traduzir um
texto antigo. O exemplo acima mostra uma expressão idiomática (ditado popular),
que não pode ser traduzido literalmente sem explicações complementares.
Outro
problema muito mais comum é o que acontece com a falta de palavras para uma boa
comunicação. O ideal seria que houvesse uma palavra para cada pensamento o que
hoje ainda não temos. Na época em que o texto de Coríntios foi escrito a
linguagem era muito pobre, mais restrita do que hoje. Um bom exemplo para este
problema é o da palavra pneuma, de origem grega, que pode significar: espírito,
alma, vento, ventania, vendaval, sopro, soprar e etc. Daí nos perguntarmos de
maneira muito direta: O que leva tal tradutor a escolher esta e
não aquela palavra no ato de traduzir determinado texto?
Avaliando as
traduções bíblicas descobrimos que todas elas são traduções teológicas, ou
seja: são traduções direcionadas para certos públicos de determinadas
religiões, e o tradutor naturalmente tenderá a aclimatar os textos de maneira
que melhor se adapte ao pensamento da sua teologia. Mesmo nas traduções
ecumênicas (as que são realizadas com a participação representantes de
diferentes religiões) não conseguem fugir desta estrutura.
Sendo assim
vamos à pergunta crucial do texto de 1º Coríntios 13. Qual a palavra mais
adequada para este texto: Amor ou Caridade? O texto
grego utilizado para a tradução é escrito com a palavra Ágape, um dos
quatro nomes gregos para Amor. Já na versão da Vulgata
(construída em latin de 382 a 402 por ‘Jeronimo de Strídon’ a pedido de ‘Dámaso
I’, bispo de Roma) o texto traz a palavra caritas como podemos averiguar
no 1º Corintos 13:04 “caritas patiense est benigna
est caritas
non aemulator non agit perperam non inflatur”.
Como não há
textos originais de seus autores, apenas cópias de cópias, os tradutores
precisam escolher entre os manuscritos disponíveis para suas traduções e no
caso de 1º Corintios, os mais antigos são do segundo ao terceiro século D.C e
existem apenas fragmentos. Não é possível assim estabelecer com certeza a
tradução exata da palavra empregada por Paulo (Amor ou Caridade).
Mas uma observação
importante é que a escolha de uma ou outra palavra não nos parece alterar a
essência do pensamento paulino e sendo assim podemos deduzir que não há uma
tradução mais correta. A palavra amor dá mais cadência poética
ao texto, já a palavra caridade tem a vantagem de
servir ao entendimento do texto de Paulo, ao mesmo tempo em que nos força à uma
interpretação do que significa caridade.
Vulgarmente
se interpreta caridade como o ato de dar coisas, enquanto que a mensagem no
diz: “E, quando houvesse distribuído os meus bens para alimentar os pobres e
houvesse entregado meu corpo para ser queimado, se não tivesse caridade, tudo
isso de nada me serviria.”. Este pensamento nos leva a inferir que a caridade
não está exatamente no ato em si mesmo, mas sim na intenção, no motivo que nos
faz dar alguma coisa.
Por dedução,
e apenas por dedução, podemos dizer que há uma escolha mais adequada ao
pensamento do autor e se existe, deve ter relação com o texto como um todo e
com o pensamento do cristianismo. Mas é possível também, e é nisso que
acredito, que neste texto as duas palavras representam muito bem o espírito da
mensagem, pois o amor no evangelho tem sempre uma conotação de entrega e de
ação. Basta lembrar a parábola do bom samaritano utilizada por Jesus para
explicar o amor ao próximo. Sem considerar todos os demais detalhes contidos
nesta parábola, vemos Jesus representando o amor como ação de entrega,
comprometimento e dedicação completa, ou seja: Caridade.
A tradução
de Saci, escolhida por Kardec para “O Evangelho Segundo o Espiritismo”,
utilizou a palavra Caridade no texto que inicia da seguinte forma:
Ainda quando eu falasse todas as
línguas dos homens e a língua dos próprios anjos, se eu não tiver caridade,
serei como o bronze que soa e um címbalo que retine; – ainda quando tivesse o
dom de profecia, que penetrasse todos os mistérios, e tivesse perfeita ciência
de todas as coisas; ainda quando tivesse toda a fé possível, até ao ponto de
transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou. – E, quando houvesse
distribuído os meus bens para alimentar os pobres e houvesse entregado meu
corpo para ser queimado, se não tivesse caridade, tudo isso de nada me
serviria.
A caridade é paciente; é branda e
benfazeja; a caridade não é invejosa; não é temerária, nem precipitada; não se
enche de orgulho; – não é desdenhosa; não cuida de seus interesses; não se
agasta, nem se azeda com coisa alguma; não suspeita mal; não se rejubila com a
injustiça, mas se rejubila com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera,
tudo sofre.
Agora, estas três virtudes: a fé,
a esperança e a caridade permanecem; mas, dentre elas, a mais excelente é a
caridade (S. PAULO, 1ª Epístola aos Coríntios, 13:1 a 7 e 13.)
Esta
Caridade/Amor da mensagem de Coríntios representa a entrega completa e não tem
qualquer vínculo com os vícios humanos, de tal modo que na conclusão do texto
ele diz que ao fim permanecem as três virtudes: fé, esperança e amor/caridade,
mas a maior das três é o amor/caridade...
E para quem
ainda confunda a excelência do que é caridade, remetemos o leitor à questão 886
de "O Livro dos Espíritos” que não por coincidência é a primeira do item
“CARIDADE E AMOR AO PRÓXIMO” no capítulo XI do terceiro livro “DA LEI DE
JUSTIÇA, AMOR E CARIDADE”:
886. Qual o
verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus?
“Benevolência
para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das
ofensas.”
O amor e a
caridade são o complemento da lei de justiça, pois amar o próximo é fazer-lhe
todo o bem que nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito. Tal o
sentido destas palavras de Jesus: Amai-vos uns aos outros como irmãos.
A caridade,
segundo Jesus, não se restringe à esmola, abrange todas as relações em que nos
achamos com os nossos semelhantes, sejam eles nossos inferiores, nossos iguais,
ou nossos superiores. Ela nos prescreve a indulgência, porque de indulgência
precisamos nós mesmos, e nos proíbe que humilhemos os desafortunados,
contrariamente ao que se costuma fazer. Apresente-se uma pessoa rica e todas as
atenções e deferências lhe são dispensadas. Se for pobre, toda gente como que
entende que não precisa preocupar-se com ela. No entanto, quanto mais lastimosa
seja a sua posição, tanto maior cuidado devemos pôr em lhe não aumentarmos o
infortúnio pela humilhação. O homem verdadeiramente bom procura elevar, aos
seus próprios olhos, aquele que lhe é inferior, diminuindo a distância que os
separa.
Obs: Todas
as fonte consultadas estão disponíveis na internet, para que qualquer leitor
possa consultar e tirar as próprias conclusões.
http://comunidadeabiblia.net/teologia/estudos-biblicos/a-biblia-vulgata.html
http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/26.pdf
http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/135.pdf
http://pt.wikipedia.org/wiki/Caridade
http://pt.wikipedia.org/wiki/Amor
http://www.bibliaonline.net/acessar.cgi?pagina=dicionario
http://dosenhor.com/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuscrito_b%C3%ADblico
Amado irmão Fredson...
ResponderExcluirTardei mas vou comentar esse seu texto. Você foi bastante equânime na abordagem, dando aos tradutores o direito de utilizar tanto "amor" como "caridade". Abordou, também, com muita propriedade, a questão da pobreza das línguas antigas. Mas eu ficaria com a opinião de alguns exegetas que argumentam que Paulo quis falar de um tipo de "amor" mais amplo do que o que pode se restringir a apenas duas pessoas. É o amor que se entrega, como você explicou. Que se anula, que se machuca com os espinhos para poder distribuir apenas as flores e seu perfume. Um amor que dá de si e não requer absolutamente nada, nem mesmo reconhecimento. Segundo esses exegetas, Paulo utilizou específicamente, nesse contexto a palavra Caridade, justamente para afastar o conceito da ideia mais "manipulada" de um amor que considere qualquer forma de "compensação".
Abaixo dois artigos que tive a temeridade de traduzir do inglês, e que representam bem a ideia que descrevi.
Abraços fraternos.
Vagner Gomes da Silva
São Bernardo do Campo - SP
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(ver próximos posts)
Então, Fredson, tentei publicar os textos, mas eles ultrapassam o limite de 4.096 caracteres permitidos nos comentários aqui. Vou te mandar pelo e-mail.
ResponderExcluirAbração.
Vagner
Adorei a explicação! Muito obrigada.
ResponderExcluirGostei muito, parabéns!
ResponderExcluirGostei muito, parabéns!
ResponderExcluirO problema sexual na cidade de corinto,deturpava também o conceito de amor. Afrodite era considerada a deusa do amor e este possuía uma conotação principalmente sexual. Desse contexto grego vem a palavra "erotismo", que é derivada do nome "Eros", um deus da mitologia. Paulo parece estar preocupado com essa questão quando dedica o capítulo 13 ao amor. Ele quer formar um conceito correto a respeito do amor, mostrando o que ele é e o que ele não é.
ResponderExcluirBem visto,contextualizar a época e o ambiente nesse tempo e local é essencial para uma boa compreensão deste tema
ExcluirAchei este artigo excelente,assim como o contextualizar das palavras à época,também a análise do leitor "Unknown" está excelente
ResponderExcluirResolveu um baita problema para uma apresentação que ia fazer! Meus enormes agradecimentos!
ResponderExcluirExcelente explicação!! Ajudará muito numa palestra que irei realizar.
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